quem caminha por gosto não olha o tempo, nem o que falta, nem o que faz, olha o caminho que tem e só esse é que interessa ao olhar.
como é óbvio, o caminho escolhido é que passa a ser o centro de todas as atenções:
é na montanha ou ao nível do mar, leva muitos passos ou faz-se dum salto, é junto a uma reserva natural ou é perto de uma velha reserva, como se vai e qual o melhor caminho?
perguntas que querem respostas,
e que vêm assinaladas no "sítio do botandar", onde se pode ver a competente ficha técnica, devidamente ilustrada e comentada com os contributos para a cultura, retirados do famoso "Dicionário Porrinha".
assim, estes caminhantes vão ao caso, como quem diz, aproveitam a ocasião, mas não vão ao acaso.
a caminhada é ao longo das margens do Águeda, graças ao bom olhado dos consultores do botandar para as coisas dos caminhos.
aqui para nós que ninguém nos ouve, só lê, a escolha do percurso só lá foi, não com a dita cunha, mas com o dito:
“ isso teve um cunho sentimental”,
do Alberto, nado e criado no concelho, Fermentelos, que, na opinião de uma voz insuspeita, está muito próximo do paraíso de que fala a Bíblia,
e deste cronista, com raízes no concelho, Valongo do Vouga, vivência em Águeda, onde estudou no Colégio São Bernardo.
a jornada teve os primeiros passos no largo da estação e todos os outros ao longo do rio, contados numa e noutra margem e, também, entre as duas margens, pela ponte suspensa.
esses passos, que foram passados em equilíbrio instável, também contam para a metragem final, aliás, deviam contar a dobrar, ou não tivessem tido eles um grau de dificuldade elevada.
o tempo a seu tempo, lá chegaremos à crónica da caminhada, agora é chegado o momento do regresso ao passado:
a partida deu os primeiros tempos junto às bilheteiras da estação de Aveiro, onde os caminheiros foram chegando ao seu ritmo, a Graça e o António já lá estavam a marcar o lugar, vieram de longe.
a seguir a malta que veio de esgueira, os habituais, o Alberto, o Amilcar, a Dorinda, o Lapo a Margarida, o Paulo, e o Rui, acompanhados de novos caminhantes, a Cecília e o Jorge.
por fim, os quase vizinhos da estação, a Puri, o Pedro e este que vos escreve.
pelos vistos, a chegada é inversamente proporcional à distância, prova provada, os de mais perto chegaram por último, mas ainda a tempo de se munirem do bilhete para o “Vouguinha”.
os últimos a chegar partiram ao mesmo tempo que os primeiros, mais uma vantagem de andar nos carris, partem todos ao mesmo tempo e hão-de chegar todos também à mesma hora, não há memória de alguém se ter perdido no comboio, porque se não perder o trem, também ninguém se perde nele.
e, assim, lá foram no tempo e no espaço da carruagem, rodeados de cheiros, cores, lugares, a ver o casario a correr em contramão, a ficar para trás, a olhar o verde das folhas, das ervas, o castanho claro-escuro das árvores, a poisar os olhos nas águas do rio, a escutar os sons dos risos e das conversas cruzadas.
ora vamos lá então escutar um pouco do que se está a passar:
- não pode ser, o horário diz aqui que a esta hora o comboio devia vir ao contrário, para Aveiro e não como vai, para Águeda,
- ó senhora, está enganada!
- ah! ah! isso é o que senhor pensa, tenho, não aqui à mão, mas em casa, um horário dos verdadeiros, nada de fotocópia, o original.
- isso do original já não é o que era, esse que tem é falso, não acompanhou o movimento de translação da terra, venha ver.
lá foram: reclamante e reclamado, seguidos de muito perto por alguns caminhantes que não queriam perder pitada.
cá fora na estação de Eirol era vê-los atentos aos horários afixados na parede.
feita a prova, lá voltaram a entrar.
- já circularam muitos comboios desde que o seu horário encontrou um substituto mais madrugador.
- o remédio é ir até Águeda e voltar para Aveiro, assim não apanha frio e sempre viaja mais um bocado e vai sentada, já que não pôde estar mais tempo deitada, culpa, como já lhe disse, do passar dos anos que muda os horários.
enquanto o “Vale-do-Vouga” ganhava metros ao destino, o João, a Rosa e o Afonso estavam a chegar ao largo da estação de Águeda.
foram os primeiros, não mudaram de hábitos, escolheram a rodovia e não quiseram nada com a ferrovia, gostos, mas os gostos pagam-se.
qual foi o preço?
tiveram que ficar a marcar passo (saudades do Colégio Militar)
a Teresa, a Marta e a Iolanda, não vieram de “Vouguinha”, senão já cá estavam, não sabem o que perderam, parece é que se perderam nos caminhos e nas horas, ainda não chegaram, nem sequer se ouvem os passos.
- andante que elas vão lá ter.
prometido é prometido
o início da caminhada:
estação de Águeda, 9 horas e 30 minutos.
chegada da caminhada:
feira de Águeda, 11horas e 40 minutos.
Almoço:
esse fica para mais tarde no Ribeirinho, nada melhor do que dar um pontapé na crise e desatar os apertados cordões da bolsa
uma falta de comparência, imperdoável, mas inevitável, o canito não apareceu, tinha de levar as vacinas,
mas como?
não podia, não tem mochila e nem sequer um bolsito, o remédio foi ficar, também ninguém se ofereceu para lhe levar as vacinas.
fica para a próxima.
primeira paragem, a habitual, o momento do café e do pequeno almoço, num café da baixa.
a partir daí é sempre a andar, não há volta nem meia volta, das fraquezas forças, até ao almoço.
ao longo do rio, olhando as margens verdejantes e o vai das águas, vão os caminhantes em direcção ao Souto-Rio e em busca da ponte suspensa, que tarda em aparecer.
ali está ela, ainda ao longe, mas desafiante, tal qual o letreiro:
"a responsabilidade é de quem a atravessa e somente três de cada vez".
começa a travessia, uns devagar e outros ainda mais devagar, todos pensando:
devagar se vai ao longe.
- não olhes para baixo, olha sempre em frente, está quase, não tenhas medo.
incentivos não faltaram, até ao último, o Alberto que fechou a travessia, nota artística máxima.
atravessada a ponte, o regresso leva-nos ao Palácio da Borralha e ao Estádio do Recreio Desportivo de Águeda.
estes caminhantes merecem a comida que vão comer e a que vão levar.
os que vieram de carro, ao carro regressaram, os que vieram de comboio, à estação chegaram, já tinham o bilhete comprado, só foi esperar pela pelo “Vouguinha” e retomar os passos, agora em sentido contrário.
mais uma conversa para se escutar, agora é sobre as saídas e as entradas do cobrador.
- não nos deixe sair sem resolver o enigma:
porque vai sempre à estação quando o comboio pára?
de certeza que não vai falar com o chefe, pois não há vivalma lá dentro e, também, é suposto não ir à "casinha", existe uma na carruagem.
- daqui a uns tempos essa pergunta deixa de ter sentido, vão modernizar as comunicações, a segurança da circulação deixa de ser feita de viva voz, passa a ser feita por meios electrónicos.
é o futuro a avançar na linha do Vale -do-Vouga.
até Sábado,
a caminho da Murtosa
de barros