sábado, 10 de julho de 2010

Crónica de Cambra

É mais fácil caminhar do que escrever crónicas de caminhadas, caminhar é por um passo à frente do outro e depende dos passos, do caminho, escrever depende do caminho, da caminhada, melhor, do que se passou na caminhada e do cronista. É, seguramente, mais difícil, já não contando com um empecilho, a página em branco que nos confunde e intimida, com aquele seu olhar crítico, que tudo sabe: o que escrevemos e o que não escrevemos, o que quisemos escrever e não fomos capazes. A crónica de hoje lida com uma dificuldade acrescida, é a última antes de férias e, por isso, merecia uma coisa melhor, talvez uma crónica diferente ou, talvez, outro cronista, agora é tarde. Ponto de encontro, café Zinor, hora, 8 e 30, destino, Cambra. Afinal o Manuel sempre vem, está sentado na esplanada a tomar café. Puro engano, não vai, veio só assistir à partida, está de chamada, fica para depois de férias, pena nossa porque o Manuel é bom caminheiro. Eu não sou como os outros que dizem: só fazem falta os que cá estão, não alinho nessa, todos fazem falta os que vieram e os que faltaram. A pouco e pouco os caminhantes foram chegando, um café para acordar e, à hora, a partida ao encontro da caminhada, largo do cruzeiro. O Alberto, assim que chegou, foi ver do restaurante, fechado para férias, não faz mal, temos o palmeira, não há nada como decidir rápido e na hora, nada de atrapalhações. A Teresa ainda agora saiu de Aveiro e já vai voltar, trouxe, por esquecimento uma tenda, que faz falta não em Cambra mas em Aveiro. Agora, toda atarefada a procurar um mapa do percurso, o Amílcar é que deve ter um. onde é que ele está? Ali no café palmeira. podem começar sem mim, assim que chegar, vou ao vosso encontro. não estava a brincar, disse a sério, a esta hora vem só a tempo do almoço, disse alguém, mais um engano, chegou ainda a tempo. A fotografia, documento probatório da caminhada, ali na praça do cruzeiro, no sítio dos condenados, ali ao lado do solar, casa oitocentista, com capela, que talvez desse um melhor enquadramento, mas decisões são decisões e, desta vez, foi no cruzeiro da Vila de Cambra. Registado o feito, passos a caminho. mais uma fotografia ao magnífico brasão do solar, para enriquecer o espólio da caminhada e do Pedro. Seguindo o trajecto, pelo caminho do calvário, que não seja para os caminhantes, vamos ao encontro da natureza, e que natureza! criada pelos deuses e pelos homens, o verde das árvores, o castanho amarelo das folhas caídas e o verde das folhas vivas, a água límpida a correr dos ribeiros por uma quelha de pedras feitas, as ramadas ainda de uvas verdes, aqui a raposa nem parava, mas nós caminhantes até parámos para ver, estavam verdes, ainda. mais à frente, atravessámos uma terra por um milho, no dizer do pedro, e não por um trilho. Primeira paragem: cova do lobisomem, um encanto, valeu a pena, sem encontros, o lobisomem não se deu ao trabalho de aparecer, os caminhantes, aliás, agradeceram, encontros peludos só com a espécie canina, e que encontros: vieram receber-nos e acompanharam-nos, de cima do muro, uma guarda de honra de respeito e barulhenta. deixemos os guardiões de tais terras a ladrarem sozinhos e caminhemos ao encontro do património: a fábrica do queijo, sem o dito, claro, as casas de pedra, os espigueiros, as alminhas, ou o que resta delas, os frondosos carvalhos, os musgos e muito muito mais. A Teresa ainda vem a caminho, não atende a chamada, mas não deve tardar, há muito que partiu. Uma pausa para repor as energias, cavaquear um pouco, conversa que até deu para ficar a saber que a Rosa gosta de ser chamada Rosa Maria, vamos lá, a partir de agora, dobrar a língua ou, melhor, dobrar os caracteres, não custa nada e fazemos o gosto à Rosa Maria. levantada a tenda, a marcha continua, agora já com a presença da viajante, acabou mesmo de chegar, não perdeu tempo e já lá vai. A chegada ao largo do cruzeiro, com destino final no repasto, mesmo ali ao deitar do olho, às entradas, um regalo a experimentar o paladar, os meios, ao gosto de cada um e os finais com açúcar ou com frutose e, antes de levantar, o tradicional, um café e um bagaço. Depois, malta satisfeita companhia desfeita.

Mas como é a última caminhada antes de férias, aqui vai uma brincadeira, esperando o cronista que ninguém leve a mal...

passo a passo a malta anda
uma vez e outra vez
a subir é que desanda
um metro parecem três
no final está tudo à banda
o descanso é de um mês

cada um aqui se veja
como eu de cada um li
um simples traço que seja
foi o que em alguns vi
mas se alguém mais deseja
que registe e diga aqui

o amílcar engenheiro
é quem escolhe o caminho
de régua e esquadro primeiro
para ficar tudo certinho
mas como ele é mui matreiro
dá a dica do porrinho

mas para que tudo dê certo
é preciso uma opinião
do caminheiro alberto
é marcada a reunião
para um café bem perto
que no caso é o pimpão

o alberto pires da rosa
em fermentelos vivido
é escritor de boa prosa
e não se dá por vencido
e à sua pateira formosa
deu caminhada merecida

foi no colégio militar
a primeira caminhada
no seu passo sempre a andar
da partida à chegada
mas fica mais a gostar
se houver almoçarada

mas do que o afonso gosta
é de mexer em circuitos
e vale até uma aposta
a ver se ele tem lá muitos
para ir de aveiro à costa
gps nos intuitos

o amílcar financeiro
foi militar concerteza
nunca perde um companheiro
no meio da natureza
entre o último e o primeiro
vai e vem com ligeireza

estudante de anatomia
de músculos e de tendões
está na fisioterapia
ainda só ganha tostões
trabalha com alegria
à espera de ganhar milhões

em são francisco cidade
esteve a marta a investigar
fez trabalho de qualidade
na química alimentar
mas sentiu muita saudade
dos caminhos do botandar

os caminhos da sofia
têm nas artes um sim
com estudo e fantasia
e pós de perlim-pim-pim
alguma sabedoria
e os passos chegam ao fim

nada falta ao bernardino
vem todo apetrechado
na véspera é um desatino
arruma tudo com cuidado
é um caminheiro com tino
na mochila tudo arrumado

não é dama sedentária
nem gosta de estar sentada
na justiça tributária
decisão é logo dada
a sua marcha diária
é treino prá caminhada

por uma vez ao engano
não houve mais repetência
acompanhou mano a mano
com calma e paciência
talvez venha para o ano
e com mais experiência

a fernanda nossa amiga
também era caminhante
espero que ela prossiga
e que venha mais avante
de momento é a fadiga
que o trabalho é constante

de lamego veio o freitas
da fotografia amante
no botandar as eleitas
deste artista brilhante
busca imagens perfeitas
e fica atrás e vai avante

a graça não veste à toa
mesmo que seja em passeio
e se acaso ela destoa
houve engano outra veio
trouxe a fraca fica a boa
talvez fosse um remedeio

do marão veio a gracinda
transmontana de vinhais
em busca de roupa linda
pelo forum e outros locais
a caminhar é bem vinda
e a falar ainda mais

estudou fisiologia
com nota e assiduidade
uma entorse e ela agia
e com muita qualidade
e logo ali corrigia
a mazela com à vontade

gosta mais de ir ao ioga
esta nossa economista
caminhar não está em voga
ela não é ruralista
pode ser que numa folga
regresse outra vez à pista

o afonsinho do condado
acompanha toda a gente
se há rancho combinado
fica logo mais contente
o percurso é mais andado
o que é bom está á frente

josé carlos engenheiro
faltou a esta partida
não havia santieiro
ao almoço na comida
cogumelos estão primeiro
são iguaria merecida

o caminheiro que é lapo
traz com ele espírito santo
até parece um ganapo
nem fadiga nem quebranto
a meta já está no papo
depois é o almoço e tanto

margarida assim se chama
no botandar deu entrada
farmacêutica de fama
mais uma para a caminhada
do percurso não reclama
embora esteja cansada

a mariana lá vai
a maldizer sua vida
culpa mãe e culpa pai
pela cobra aparecida
no final já não diz ai
até está agradecida

pela fábrica de papel
dum lado para outro andando
vai o amigo manuel
não faz mal anda treinando
assim caminhar é mel
mesmo o joelho quebrando

o informático miguel
do botandar pioneiro
ainda há-de ser nobel
nestas coisas de engenheiro
já nem escreve em papel
virtual sempre primeiro

pelo caminho vai atenta
não perde nada de vista
gosta pouco da sebenta
tudo lhe serve de pista
no ensino mui experimenta
e nasce obra de artista

o pedro filma o tom
do que vê tudo regista
chega a casa monta o som
junta o áudio à vista
o resultado é bem bom
e temos mais um artista

a rosa que é maria
toda ela se aperalta
veste no seu dia-a-dia
roupas diferentes da malta
tem estilo e galhardia
nas caminhadas faz falta

viver no campo dá gosto
por isso é que é campista
em férias no mês de agosto
a cidade nem é vista
e esquece o iva imposto
no trabalho é benquista

a doutora do ambiente
na caminhada é rainha
ninguém vai à sua frente
sempre na primeira linha
faça chuva frio ou quente
a andar é que se caminha

caminha com quatro patas
mas tem muito gabarito
está registado nas actas
com o nome de canito
veio sempre não tem faltas
perde o dono fica aflito


de barros