domingo, 6 de dezembro de 2009

Crónicas de viagens ou crónicas de caminhadas

caminhada a Fermentelos

 
...“mais vale tarde do que nunca” ou “ mais vale muito tarde do que nunca” como proverbiou José Saramago na sua obra literária Caim, dirão vocês, quando esta crónica for para o ar, ou, mais propriamente,  para o sítio do “Botandar”.
              Será que noto algum  “brilhozinho nos olhos” ou é impressão minha, claro que é impressão tua, olha-te ao espelho, (literário) foi de mestre esta figura de estilo. Bem, com “brilhozinho ou sem brilhozinho nos olhos”, aqui vai a crónica da caminhada a Fermentelos, ou às origens do grão mestre caminheiro Alberto Pires da Rosa, nado e criado (em tempos idos de meninice) em Fermentelos, paraíso celestial, o Eden antes do pecado original.  Para que não fique esta crónica maculada, também, pelo pecado original, feito por quem tem a origem em Fermentelos, em abono do sem pecado aqui se diga que os caminheiros que avançaram de Aveiro com com destino a Fermentelos não foram três, um em Peregrinação à nossa Senhora da Saúde, outro a redescobrir a Pateira e outro que  vai ladrar fora, mas há um outro, Pedro Corga, o quarto, que fez a reportagem fotográfica. Como poderíamos esquecer este quarto caminheiro, ele que sacrificou as sua pesquisas literárias, aliás. vistas bem as coisas, o que vale uma pesquisa literária comparada com uma bela caminhada?
              Ó cronista, seria bom que começasses com a caminhada ou, por este não andar, ainda se fica mais tarde do que já estamos, já te conhecemos de ginjeira, paleio é contigo, claro, para isso é que sou cronista. Contudo, já que insistes, aí vai, para memória futura , e para que conste: esta caminhada às origens começou mesmo do ponto de encontro (Café Zinor) às 8 horas e 30 minutos (TME). Não foram necessários meios logísticos para levar os caminheiros ao ponto de partida: o ponto de partida, desta vez, foi no ponto de encontro.
              Lá estavam os quatro, qualquer semelhança com o “Bando dos Quatro” é pura coincidência, diga-se e registe-se já,  não vá o diabo tecê-las, prontos para uma caminhada, que para alguns era de vinte quilómetros bem medidos e para outros era de vinte quilómetros mal medidos, mas bem ou mal medidos nenhum ficou para trás.
              Para trás ficaram o café e os que se temeram e não apareceram, pior para eles, nada têm que contar
A duas ou a quatro lá se foi encurtando caminho e a primeira paragem: Igreja de Nossa Senhora de Fátima, claro que ficámos pelo adro, para reabastecimento do corpo. Não reabastecemos o espírito, Igrejas não faltam e o espírito ainda não precisava de alimento.
Recuperadas as forças, uma olhadela ao itinerário, (cortesia do caminheiro ausente Amílcar, não caminhou mas trabalhou no percurso) uma leitura da toponímia e lá avançámos nós até à “Rua das Vielas que Atravessam”, atravessaram elas, as vielas, tempos e atravessamos nós as ruas e as vielas, nestes tempos, rumo aos tempos das origens.
              O silêncio da manhã nas ruas desertas dos caminhos foi-se embora e deu entrada a conversa: caminhamos desde Esgueira para pararmos em Fementelos, dissemos nós, coitado do cão, disseram elas, duas aldeãs, enquanto tratavam do jardim, coitado do cão? E nós? O cão não pediu para vir, não teve voto na matéria, disseram elas.
              Uma risada, mais um um dito, mais uma graçola e lá foram os caminheiros, os que pediram para vir e o outro que não pediu, ladrou, lá ficaram as aldeãs à espera de sabe-se lá o quê, de outros talvez.
              O caminho foi-se fazendo e as terras e lugares foram ficando. Mais uma leitura no mapa e com encontros e desencontros desencontrámos-nos da rota. (não por culpa do Amílcar, o mapa tinha lá tudo, não por culpa dos caminheiros, leram bem o mapa, desta vez não há culpados, como sempre a culpa morre solteira)
Contudo, tivemos uma ajuda preciosa, pois fiquem sabendo que até nos queriam levar de carro ao rumo certo, mas, como não poderia deixar de ser, passámos ao lado da oferta. Onde se viu a malta do Botandar andar de veículo motorizado, seria tocar a finados em memória da confraria, que ainda não é mas não quer já deixar de ser antes de o ser. Diga-se, porém, que aceitámos corrigir a rota, foi só uma pequena correcção (um grau mais à direita ou mais à esquerda no azimute) e os passos destes caminhantes lá passaram pelos caminhos certos a caminho de terra prometida. Não, não é essa terra que vocês estão a pensar, mas não deixa de ser também a terra prometida, prometeram-nos que lá chegaríamos para visitar a Senhora da Saúde, relembrar a Pateira, ladrar fora e fazer a reportagem, que não estava no programa inicial mas passou a estar no programa final. Programa final, perguntam vocês? Sim, o programa inicial corrigido e aumentado, mais um caminheiro, eram três e passaram a quatro, houve aumento. Deu-te agora para a matemática, continua mas é com a crónica, assim, nunca mais chegas ao fim. Como pode a crónica chegar ao fim se os caminheiros ainda vão no caminho a caminho de Fermentelos.
              Já deixamos  as aldeias e caminhamos com os olhos postos nos sinais, não há que enganar: Já vemos Fermentelos em letras de esperança, poucos quilómetros e a caminhada já está no papo (mais uma na contabilidade) e esta vale  por muitas outras: uma vintena ou mais do que uma vintena de quilómetros, conforme o contador, há-os para todos os gostos, se vão ou não vão a caminhar.
              O dito popular: “morreram na praia” não se ouvirá. O que se poderia ouvir dizer  era o que os caminheiros não disseram mas, quiçá, pensaram: no fim deste caminho, que bom seria ter à espera a dita, mas a dita, para os lados de Fermentelos é coisa que não existe, a Pateira,  sim.
              Aliás, a caminhada tinha o destino há muito traçado e não era a praia, ficará para outros tempos e, por falar em tempos, é tempo destes caminheiros botarem os pés e as patas  no rumo certo, embora as patas já começassem a dar de si.
              O canito bem olhava para ver se haveria por ali um oásis ou algo parecido, nem que fossem uns arbustos, desde que dessem sombra (lembramos aos leitores que a caminhada foi em pleno verão e o sol já tinha cumprido a metade da tarefa)
              Ah! Finalmente, disse o canito, será que ouvi falar em sombra, onde estará? Ali, a um momento, ao alcance da minha uma pata: que frescura, já daqui não saio, como disseram as outras, não pedi para vir e, ó cronista, nem sequer ladrei como disseste, vim contra a minha vontade e contra a vontade da minha amiga e protectora, Gracinda Afonso, (ilustre representante da Casa de Bragança e, penso eu, descendente em linha directa dos Afonsinos) que não quer nada com caminhadas. Ela tem alguma razão quando diz: “já caminhei muito”, como a compreendo, sobretudo hoje, mas por outro lado, também não fujo à outra razão: gosto de acompanhar o caminheiro e  meu amigo de todos os dias. (aqui para nós que ninguém nos ouve: ele deixa-me andar à vontade e os dias das caminhadas levam-me  às origens; é a vida de cão em todo o seu esplendor) Sem querer parecer pretensioso, acho, até, que caminhada sem mim não é caminhada.
              Por falar em caminhada, esta já ninguém nos tira. Cumpriu-se o fado: Um foi em peregrinação à Senhora da Saúde, outro foi redescobrir a Pateira, outro foi ladrar fora e outro fez a reportagem fotográfica.
              Caminho que se caminhou vai ter que se voltar a caminhar: é hora de regressar. A pé? Nem pensar! A não ser que..., ideia que nasce ideia que vinga e ainda mal o diabo tinha acabado de esfregar o olho quando  apareceram as convidadas (Gracinda e Puri) para o almoço  que, diga-se, desde já,  para que não esqueça, estava divinal. (um manjar só ao alcance dos Deuses, às vezes, como foi o caso, os mortais  também o alcançam).
              Caminhantes e convidadas no  Restaurante “Corta-Mar” abancaram, claro, o Canito também abancou, mas à entrada, não possuía livre trânsito, regras são regras.
              “Corta-Mar” onde não há mar ou é saudade ou tem história. Sim, tem história, mas deixemos o sobrinho do Zé Corta-Mar , o caminheiro Alberto contar: Tempos idos, apanhar enguias era quase uma odisseia, assim, a modos, como o gato e o rato,  os amantes de uma caldeirada de enguias sempre com o credo na boca e prontos para dar às de Vilas-Diogo e os defensores  da lei  com vontade de os não deixar ir. Assim, uma bela noite,  um dos amantes do pitéu teve de fugir a sete pés dos legalistas no exacto momento em que já se imaginava dono e senhor de tão belo exemplar. Quem é? Perguntaram os defensores da lei e da ordem. É o Corta-Mar responderam os mirones amigos. Assim foi identificado no registo da contra-ordenação, com vista ao pagamento da respectiva coima, e assim, para todo os sempre, Zé Corta-Mar ficou.
Contada a história é hora de acabar, sem antes daqui enviar uma abraço ao meu amigo, Prior de Fermentelos, Padre Costa Leite, com um pedido de perdão pela perdoável falta  de não o ter visitado, fica para a próxima...,caminhada, se acontecer para estes sítios...
 
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